12 de outubro, 2017

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Santuário de Fátima tem de ser uma casa de misericórdia e um oásis de espiritualidade, diz D. António Marto

Bispo de Leiria-Fátima faz balanço do centenário e deixa pistas para o trabalho de preparação do segundo centenário das Aparições

 

Voz da Fátima (VF) − Estamos a chegar ao fim da celebração deste primeiro centenário das Aparições. Que balanço faz destes sete anos de intensa atividade do Santuário?

D. António Marto − Tudo começou com um desafio do Papa Bento XVI e, quando o ouvi, rapidamente decidi que era preciso fazer um programa de sete anos e não reduzir a celebração do centenário a uma série de eventos avulsos. Constituiu-se uma Comissão Coordenadora, que fez um belo programa teológico-pastoral – de tal maneira que se pusesse em realce a Mensagem de Fátima na sua globalidade e harmonia, que se mudasse de registo dos simples aspetos devocionais para a beleza da mensagem na sua integralidade – e, não posso deixar de dizer a este propósito, que fez um trabalho notável, com uma enorme intensidade, que agradeço.

Fez-se um belo programa, com novas linguagens, diversificado e adaptado a várias idades, dos idosos aos mais pequenos, e que acrescentou também uma dimensão cultural importante à própria Mensagem de Fátima.

VF − Essa dimensão serviu também para que se desfizesse a ideia de que Fátima era uma coisa menor, para gente de pouca cultura...

D. António Marto − Fátima era, e se calhar ainda continua a ser para alguns, uma certa subcultura e o facto é que este centenário, através das várias iniciativas, conseguiu provar que não é isso. Tenho tido esse feedback das pessoas que me têm felicitado de várias maneiras por tudo o que tem sido realizado aqui no Santuário.

VF − Curiosamente algumas dessas críticas vêm de dentro da igreja. Como vê a questão e de que forma o incomoda?

D. António Marto − Não incomoda nada. É natural que nem toda a gente goste de Fátima. Mas as críticas vêm de setores muito minoritários da Igreja. Por um lado, trata-se de um setor conservador que acha que nem tudo foi revelado. E este grupo, que pressiona o Vaticano, está identificado em Itália e no Canadá. O Vaticano já respondeu a isto.

As outras críticas, mais racionalistas, que não admitem Fátima, por vezes, chegam a ser de uma irracionalidade extrema, desenvolvendo uma interpretação malévola da ação da Igreja, de Fátima e até do próprio bispo que chegou a ser acusado de querer comprar o Vaticano para um apoio a Fátima. Mas, felizmente, é uma franja muito minoritária. Como se sabe as revelações privadas não são dogmas de fé nem lhe acrescentam nada; são apenas um apelo à vivência da fé numa situação histórica difícil.

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VF − Foram sete anos de intensa atividade. Como se conseguirá manter esta produção, por assim dizer, em Fátima, entre eventos musicais, colóquios, congressos, etc.?

D. António Marto − Vivemos um entusiasmo grande com o centenário, quer a nível nacional quer internacional. Sejamos realistas: não conseguiremos manter sempre este tom de festa. Vamos continuar a promover o estudo da Mensagem e a apostar na sua divulgação.

VF − É a interligação entre a Mensagem e a História da humanidade que garante a sua constante atualidade?

D. António Marto − Como dizia o Papa Bento XVI «Fátima é a mais profética das Aparições modernas» e, por conseguinte, tem esta vocação histórico-universal, acompanhando a história de cada geração. Isso exige uma atualização constante das linguagens pelas quais é comunicada, para ser transmitida às novas gerações.

VF − O que fica deste Centenário?

D. António Marto − O que fica é um aprofundamento novo da mensagem de Fátima: primeiro, numa visão global e harmónica em todos os seus aspetos e dimensões; em segundo lugar, no aprofundamento da dimensão mística de vivência da fé, como os pastorinhos, que nos ensinam hoje a viver a fé de forma amorosa, transformadora da vida; em terceiro lugar, na dimensão profética abrindo-se aos problemas de hoje, sobretudo, quando o Papa Francisco fala da terceira guerra em episódios e dos grandes problemas da humanidade: os refugiados, os sem abrigo, os cristãos perseguidos ou a dignidade da pessoa humana espezinhada. Finalmente, fica o grande impacto deste Centenário quer em termos nacionais quer em termos internacionais, para além do acentuar da beleza da mensagem.

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VF − A Virgem Peregrina e o périplo que ela fez nos últimos dois anos do Centenário foram decisivos nessa internacionalização e até na mobilização das dioceses portuguesas...

D. António Marto − Sem dúvida. E isso surpreendeu toda a gente. Eu próprio fiquei surpreendido. A Imagem Peregrina, que foi por todas as dioceses, conseguiu criar um élan e um entusiasmo que levou Portugal a descobrir-se como um povo de fé, sob o manto de Nossa Senhora. A presença de inúmeros grupos estrangeiros no Santuário, como nunca se viu, em especial da Ásia ou do Médio Oriente, em peregrinações nacionais, acentuou esta internacionalização.

VF − Como foi desempenhar o papel de anfitrião de dois papas: Bento XVI e Francisco?

D. António Marto − Quando veio, o Papa Bento XVI foi o encontro com alguém que já conhecia e com quem mantinha uma relação de especial afeto, desde os tempos de estudante. Além disso, era o Papa teólogo de Fátima, que escreveu o melhor comentário sobre a Mensagem e que depois esteve aqui e fez homilias profundas e belas, que ainda hoje são de referência. Não podemos também esquecer o que ele disse sobre Fátima: «Não existe nada na igreja como Fátima». Só isso diz tudo e diz da proximidade dele a este lugar e da sua importância. Naturalmente que reconheço que João Paulo II foi o Papa que deu notoriedade a Fátima. Mas, Bento XVI veio numa altura difícil para a Igreja e veio confiar a Igreja a Nossa Senhora de Fátima. Agora estávamos noutro plano, com o Papa Francisco, na mesma linha mas com um estilo diferente. Sobretudo, com uma forma de comunicar muito diferente, que vai ao fundo da alma porque fala com o coração. Ele é a incarnação de uma Igreja em saída, voltada para fora e menos virada para dentro.

VF − É um comunicador nato...

D. António Marto − Sim, ele fala a linguagem simples que toda a gente entende. Ao dizer «Temos Mãe» toda a gente percebe que aqui em Fátima há um colo. Mas ao dizê-lo também procurou purificar esta relação dos filhos com a mãe, quando alertou para a necessidade de não reduzir Nossa Senhora a uma Santinha, ou pensarmos que Nossa Senhora é mais misericordiosa que Deus, ou quando chamou a atenção para que não fiquemos numa relação comercial de troca de favores... O Papa deixou uma dimensão materna de Nossa Senhora, e Maria como um ícone de uma Igreja pobre de meios mas rica de amor e de misericórdia.

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VF − Um dos momentos altos foi a canonização dos pastorinhos.

D. António Marto − Foi um momento muito bonito e muito simbólico deste Centenário. O nosso povo percebeu que foi um momento muito forte quer na celebração quer para a vida do Santuário, hoje com filas diárias para a visita aos túmulos.

O povo percebeu e percebeu-o à sua maneira com a intuição do coração e da fé, sem necessidade de outros tratados.

É um marco que fica indelevelmente marcado para o Santuário.

VF − E cheio de significado...não só do ponto de vista simbólico mas também do alerta para a necessidade de imitarmos e de cuidarmos das crianças. A infância fica valorizada...

D. António Marto − Tem muitas dimensões esta canonização. Desde logo, chamou a atenção para a vida indizível dos pastorinhos. Eles não eram heróis famosos, não tinham a popularidade dada pelas redes sociais. Eram crianças simples que viviam o seu quotidiano, numa total entrega a Deus. Em segundo lugar, significa uma valorização da infância e da sua dignidade própria, algo que o Papa acentuou na oração Regina Coeli, no domingo seguinte. Às vezes olhamos a infância como uma idade de passagem e não a valorizamos totalmente. Em terceiro lugar, há uma clara valorização e, ao mesmo tempo, desmistificação sobre o valor da santidade. Não é preciso ser-se um herói ou viver em clausura para se ser santo. A santidade do quotidiano, a santidade do povo foi muito sublinhada. Tudo isto dá a responsabilidade ao Santuário para ser uma escola de santidade.

VF − Como perspetiva a relação de Fátima com os fiéis no futuro?

D. António Marto − Não quero fazer futurologia e depois, gosto de ter um realismo saudável para não cairmos em utopias. Julgo que há uma interligação entre a Mensagem e a cultura, isto é, a maneira de viver das pessoas em sociedade.

Hoje vivemos o individualismo exacerbado e a cultura da indiferença; o outro não me importa porque não é comigo e, frente a esta cultura o Papa Francisco propõe a cultura do encontro e da misericórdia. Como o mundo está cheio de feridos e de feridas, nós devemos funcionar como um hospital de campanha que socorre quem está ferido. O Santuário é, por isso, uma casa de misericórdia por excelência.

Por outro lado, devemos ser capazes de preencher um vazio que é notório nas pessoas. Há um claro vazio de espiritualidade que funciona para as pessoas como o óleo do motor do carro. O carro pode ter todas as peças com a maior tecnologia, mas se não houver óleo não funciona. Hoje as pessoas sentem um enorme vazio. O Santuário deve ser um oásis de espiritualidade. Tem sido mas agora é preciso que seja mais para que as pessoas refresquem a sua fé, encham o seu próprio coração, que vivam neste silêncio uma nova espiritualidade.

Finalmente é preciso não esquecer que se trata de um santuário mariano e aqui Nossa Senhora estende o seu manto materno, dá o seu colo concedendo o seu amor.

VF − Como ficaram as relações entre a Igreja e Fátima: houve uma carta pastoral da conferência episcopal, a imagem peregrina percorreu todas as dioceses...

D. António Marto − ... e isso foi o que mais me tocou e impressionou. E todas as dioceses integraram nos seus planos pastorais a Mensagem de Fátima, além de muitas delas terem realizado peregrinações diocesanas, o que já não acontecia há muito tempo. São sinais de que o Santuário será um centro de espiritualidade para o país. Portugal não se compreende sem Fátima nem Fátima sem o país, por isso julgo que o Santuário vai continuar a ser um lugar de referência para a Igreja portuguesa.

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