18 de setembro, 2023

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“Fátima fala-nos das coisas essenciais: da necessidade do homem não se distrair, de procurar cultivar o melhor que tem e que é a sua consciência e da sua capacidade de amar”

D. Filomeno do Nascimento Dias é arcebispo de Luanda, Angola, desde 2014. Presidiu à Peregrinação internacional Aniversária de agosto, que contou entre os participantes com a presença dos peregrinos da 51ª Peregrinação nacional dos Migrantes à Cova da Iria.

 

 

Como se sentiu como peregrino de Fátima?

Senti-me e sinto-me como filho de Deus, entre aqueles que Maria recebeu em sua casa.

Sinto-me também amado por aqueles que me dirigiram o convite, o Senhor D. José Ornelas. Sinto-me perto de coisas que me pertencem: a minha fé, as realidades em que cresci e Deus foi sedimentando em mim a beleza destas coisas, na minha vida e na dos outros.

Estar em Fátima é estar num oásis que significa a beleza do homem aos olhos de Deus, como Deus quer: o homem sereno, tranquilo, recolhido, com tempo para si mesmo, o homem desprendido e preocupado apenas com o essencial.

 

O senhor Arcebispo vem de uma terra que, desde cedo, tem um cunho mariano até por influência da presença portuguesa. Qual é a sua primeira memória de Fátima?

A minha primeira memória de Fátima é uma experiência de um lugar que não conhecia e que através da leitura, da catequese na paróquia, das celebrações, da visita da Virgem Peregrina há mais de 50 anos e dos cânticos que eram entoados por multidões nas nossas comunidades em uníssono, fui conhecendo sabendo, apenas, que Fátima era um lugarejo algures em Portugal...

Esses nomes foram passando por nós e são estas memórias, as lembranças que marcaram esta nossa relação, esta nossa proximidade, esta nossa certeza, mesmo se não muito estruturada na altura, que foram ficando e sedimentando esta ideia de que Fátima nos dá a consciência de que temos uma Mãe...

 

Como é que hoje Fátima é vivida em Angola?

Há dois meses atrás recebemos a visita da Virgem Peregrina de Fátima e quando ela chega a Angola- Angola é um país mariano- facilmente começam as romarias. Pessoas que de dia e noite se juntam para estar diante da Imagem Peregrina, que representa a presença desta Mãe querida, desta boa Mãe no meio de nós, como visitou Portugal e o mundo há mais de cem anos. Temos muitas igrejas e três dioceses que têm como padroeira Nossa Senhora de Fátima; temos muitas jovens Fátima- temos muitas `Fatinhas´(refere a sorrir)- ... Fátima não podia deixar de estar em Angola, pela tradição e pela forma como os angolanos vivem a sua história.

 

O que diz hoje Fátima a um cristão?

Creio que Fátima, hoje mais do que nunca, fala-nos das coisas essenciais:fala-nos da necessidade do homem não se distrair, a necessidade do homem procurar cultivar o melhor que tem e que é a sua consciência e a sua capacidade de amar.

Fátima mostra-nos, mais uma vez, que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Fátima sempre teve uma mensagem muito clara e grande parte dos cristãos, apesar da fé e da adesão ao magistério da Igreja, precisam sempre de conversão, desejam-na. A conversão é fundamental para a humanidade, por mais que possamos querer descodificar...

 

A própria instituição vive hoje na crista da onda dessa mensagem...

Hoje, na vida, tudo nos chama à autenticidade e à verdade da fé para que a fé não seja desfigurada, não seja empoeirada, para que a Igreja não se revista de cicatrizes mas que elas resultem da sua autenticidade, da sua beleza na imitação de Cristo. Estes fenómenos, que estão implícitos na sua questão, convidam-nos a sair de um Cristianismo triunfalista, marcado pelo folclore, de um Cristianismo feito de aparências.

Hoje, mais do que tudo, somos convidados a ser comunidade para além das aparências. Temos de ser homens criados à imagem de Deus. A Igreja precisa, de facto, de fazer este caminho de penitência, que leve à autenticidade do testemunho, à beleza do sim de Maria,  como a Senhora de Fátima propôs aos Pastorinhos e nos propôs a nós: um sim autêntico, não isento de dúvidas e de interrogações mas um sim que se quer transparente e disponível. É esta beleza que a Igreja deve procurar cultivar apesar destas sombras, destes sinais tristes que nos deixam desconfortáveis e envergonham.

Em África, num primeiro momento, pensávamos que era um problema europeu, ou do Norte, do chamado primeiro mundo, mas rapidamente percebemos que na Igreja não temos estes hemisférios e que é uma triste realidade que toca a Igreja como um todo. Ninguém pode dizer ` isto não me diz respeito ou não me toca´...

 

O que devemos fazer?

Refletir, pedir perdão, converter-nos. Isto é uma mancha pesada para a vida da instituição, mas é, sobretudo, uma mancha pesada na vida das pessoas, de tantas pessoas magoadas, ofendidas e dos que transportam estas memórias menos boas...

 

África é um dos continentes emergentes em termos de Cristianismo, é uma esperança...

Sou cristão e por isso sou um contador de esperança. Há muitos sinais, de facto, de encontro com a fé nas nossas terras, neste imenso continente africano. Mas, nós não nos podemos distrair pois também um dia, a religiosidade, esta busca de Deus foi uma característica das sociedades que hoje estão em crise.

Temos de estar atentos de forma a que as nossas expressões religiosas possam atingir o homem todo: inteligência, razão e coração com Jesus Cristo, com a Sua mensagem. A Igreja em África deve privilegiar este encontro com Jesus procurando dialogar com a realidade concreta dos povos africanos. Nós não vivemos em ilhas, mas numa aldeia global que vive de contágios e África não está imune a eles.

 

A Igreja tem sabido fazer essa leitura?

Procuramos, estando atentos a esta realidade, nuns lugares de forma mais cuidada que noutros. Mas, é um desafio para a Igreja. Ontem foi e hoje ainda é mais devido á comunicação no mundo contemporâneo. As ideias são partilhadas de forma mais económica e rápida, com o risco de não serem noticias elaboradas, rigorosas... Portanto vivemos de migalhas e por isso o desafio da evangelização é ainda maior.

 

Mas como podemos anunciar essa boa nova da salvação quando há gente que luta pela sobrevivência, quando há gente que legitimamente pode questionar a existência de Deus face ao fardo pesado que é a sua vida?

O Evangelho é principio e semente de vida nova: Cristo diz-nos `eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância´. Por isso, a nossa missão é envolver todos na construção de uma sociedade mais fraterna. É um convite a cada homem para se reinventar. É o homem que está no centro das decisões. E ele pode optar por uma sociedade mais solidária ou enveredar por uma via mais egoísta e indiferença diante do outro.

Seria importante envolver as novas gerações neste anúncio. Fazê-las acreditar na força do Evangelho, não como uma realidade que iniba a criatividade ou condene o desenvolvimento- a riqueza não é um mal em si- mas como uma força para criarmos um mundo melhor, uma vida mais fraterna e a construção de uma sociedade mais equilibrada.

 

Temos de converter os políticos e fazer com que nos ajudem a construir pontes em vez de muros...

A conversão é caminho de todos; não podemos apontar o dedo aos políticos. Muitos deles são cristãos. Diz-se que um dia os bispos de um país africano foram recebidos pelo Chefe de Estado e colocaram várias situações. Ele ouviu e disse apenas: eu ouvi com muita atenção mas creio que os primeiros que deveriam ajudar são os vossos fieis e os meus ministros são esmagadoramente cristãos... Ou seja, todos precisamos de conversão, a partir de nós mesmos, bispos que temos responsabilidade no pastoreio do povo de Deus. Deveremos ser na comunidade humana este sinal discreto mas forte de Deus, mostrando aos homens os caminhos da Vida.

Fátima é um destes sinais: Deus que nos visita, vem ao nosso encontro, nos desperta e nos diz que está a caminhar connosco, lado a lado como uma família, com simpatia, com consideração...

 

Construir comunidades solidárias...

Sim, mas não como algo altruísta que tenha em conta apenas a dimensão social mas o homem como um todo. Se tivermos em conta apenas esta dimensão social estamos a perpetuar o assistencialismo e não a construção de verdadeira autonomia. Ser comunidade solidária é algo que deveria fazer parte do ADN cristão, é quase como que uma forma de existência e não apenas de sobrevivência. Precisamos de políticas que alavanquem esta postura... O assistencialismo é outra forma de escravidão e nós cristãos defendemos a liberdade. Nós temos de potencializar cada ser humano, pois em cada um há um dom de Deus e Deus não permitiria que o homem à nascença fosse incapaz de ser o que é e o que está destinado a ser...

 

O Papa desafia-nos a uma atitude sinodal que é este caminhar lado a lado respeitando os ritmos de todos. O que espera dele?

Creio que será o primeiro sínodo deste século. A começar pela Igreja, que deve repensar o seu ser. Naturalmente enraizada no testemunho vivo do Evangelho e das primeiras comunidades cristãs; mas também espero que seja, na sua metodologia, um pouco diferente dos outros com mais espaço para ouvir e falar, e deixar a ressonância sobre o que é a vida e a preocupação das comunidades, o que pressuporá uma enorme capacidade de escuta.

Finalmente como resultado espero que surja uma Igreja que seja verdadeiramente comunhão, participação e de grande disponibilidade missionária...Todos, todos, todos são precisos.

 

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Biografia

 

Natural de Luanda, o arcebispo assumiu em 2014 os destinos de uma comunidade católica que bem conhece, onde cresceu e iniciou o seu percurso vocacional, no Seminário Menor dos Capuchinhos.

D. Filomeno do Nascimento Vieira Dias prosseguiu os estudos no Seminário Maior de Cristo Rei, no Huambo , e foi ordenado sacerdote a 30 de Outubro de 1983.

A ordenação episcopal chegou em 2004, quando assumiu o cargo de bispo-auxiliar de Luanda, e mais tarde tornou-se bispo titular de Cabinda.

É doutorado em Teologia pela Universidade Lateranense, de Roma, e conta também no seu percurso académico com licenciaturas em Filosofia e Jornalismo.

 

 

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