13 de outubro, 2018

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O dia em que o Papa Paulo VI veio a Fátima e levou Fátima ao mundo

A 13 de maio de 1967, vinha a Fátima o Papa que hoje é canonizado. Paulo VI veio à Cova da Iria rezar pela Igreja e pela paz e pôs Fátima no centro do mundo católico

 

O anúncio da concessão da Rosa de Ouro ao Santuário de Fátima, na conclusão da 3.ª sessão do Concílio Vaticano II, a 21 de novembro de 1965, viria a ser o primeiro ato público do Papa Paulo VI para com Fátima. Foi o cardeal Cento, legado pontifício, que veio entregar esta “expressão de particular reconhecimento por serviços prestados à Igreja”, a 13 de maio do ano seguinte, mas a presença do Papa, que hoje é canonizado em Roma, na Cova da Iria viria a concretizar-se daí a dois anos: a 13 de maio de 1967, tornando-o, assim, no primeiro Papa peregrino de Fátima.

A vinda de Paulo VI a Fátima para o Cinquentenário das Aparições foi tornada pública pela Santa Sé apenas 10 dias antes. Nada nem ninguém previa que ele o fizesse, e até o próprio já havia nomeado um legado Seu – o cardeal D. José da Costa Nunes – para presidir às solenidades da Peregrinação Aniversária, mas a 3 de maio de 1967, um ano após o convite enviado pelo episcopado português para que o Sumo Pontífice estivesse na Cova da Iria por ocasião da efeméride, o próprio confirmava a sua vinda a Fátima, “para honrar Maria Santíssima e para invocar a sua intercessão a favor da paz da Igreja e do Mundo”.

 

“Uma decisão pessoal, contra a opinião de toda cúria romana”

A ocasião não podia ser mais oportuna. Além do cinquentenário da primeira Aparição da Virgem, o Papa preparava-se para publicar a Exortação Pastoral “Signum Magnum”, consagrada ao culto da Virgem Maria, como Mãe da Igreja e modelo de todas as virtudes.

Por outro lado, as relações diplomáticas entre o governo português de então e a Santa Sé passavam por um momento delicado, em parte, devido à guerra colonial e à presença do Papa, quatro anos antes, num congresso eucarístico na Índia, onde se situava Goa, que era o patriarcado do oriente e uma das possessões ultramarinas então ainda reclamadas pelo executivo português.

Num tempo em que as viagens pontifícias eram raras, a vinda de Paulo VI a Fátima – a quarta do seu pontificado – encontrou, desde logo, resistência no próprio Vaticano. O cardeal D. António Marto deu conta dessa mesma oposição, na passada sexta-feira, durante a conferência de imprensa da última Pererinação Aniverária, quando deu a conhecer uma revelação do cardeal Giovanni Battista Re, que na altura estava no serviço diplomático da Santa Sé, e que lhe referiu pessoalmente que o Papa Paulo VI “veio a Fátima por uma decisão total e estritamente pessoal, contra a opinião de toda cúria romana”.

O bispo de Leiria-Fátima, que então era um jovem, ainda hoje recorda as palavras lapidares que o Santo Padre deixou em Fátimana sua homilia: “homens (…) procurai ser dignos do dom divino da paz. Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo”.

 

Um apelo à paz e à unidade da Igreja

A paz foi um dos pontos fulcrais da mensagem que Paulo VI trouxe à Cova da Iria. O outro foi a unidade da Igreja. Isso mesmo plasmava a edição de junho de 1967 do jornal “A Voz da Fátima”, que abria a primeira página com o título “O Papa veio a Fátima”, para logo depois enunciar as “duas preocupações dominantes do Papa na sua histórica peregrinação”: “a Igreja e a paz”. As páginas da edição eram poucas para o tanto que havia para contar, mas uma certeza se declarava: “Fátima tornou-se, agora, mais que nunca verdadeiro altar do mundo, para onde se voltam todos os corações que buscam a paz e o bem”.

A visibilidade de Fátima, após a visita de Paulo VI, começou a fazer notar-se logo no mês seguinte, pelas inúmeras cartas, telegramas, mensagens e petições que chegavam, de todo o mundo, ao Santuário, com pedidos de estampas, livros, orações, e a felicitar pela forma brilhante como decorreu a peregrinação de Sua Santidade, lê-se no periódico oficial do Santuário.

Numa entrevista ao jornal diocesano “A Voz do Domingo”, meses após a visita, o bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio, revelava o entusiasmo com que o Papa viveu a vinda a Fátima, num testemunho de quem o acompanhou de perto.

“O povo português foi uma revelação para o Santo Padre. Nunca Sua Santidade, decerto, imaginaria vir encontrar aqui tanta devoção à Virgem e ao Vigário de Cristo, tanto entusiasmo, tanta alegria.”

 

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FOTO: Multidão encheu o Recinto de Oração no dia 13 de maio de 1967, para acolher o Papa Paulo VI.

 

Um dia de muita chuva e uma multidão que espelha a humanidade

O monsenhor Luciano Guerra, ex-reitor do Santuário de Fátima, esteve em Fátima no dia 13 de maio de 1967, como “locutor” da Peregrinação, e descreve o que mais o marcou.

“Recordo-me que foi um dia de muita chuva. Tenho uma vaga ideia de ter visto o Papa por entre a multidão, que era imensa e cerrada. A memória mais pessoal que tenho foi de me terem pedido para anunciar, ao microfone, que o Santo Padre estava a mostrar a Irmã Lúcia às pessoas. Naquele período conciliar, fiquei surpreendido com esta atitude do Papa de colocar a Irmã em relevo.”

Sobre o contacto que viu o Santo Padre ter com os peregrinos, monsenhor Luciano Guerra refere que o Papa “ficou muitíssimo impressionado com a multidão”. Disso mesmo dá conta, no seu diário, o filósofo cristão Jean Guitton, que dias depois da visita se encontrou pessoalmente com o Papa, e ouviu as impressões sobre a peregrinação a Fátima.

“Foi muito diferente das outras três visitas que eu fiz, totalmente diferente. Não poderei resumir a minha impressão senão por uma única palavra: eu vi a humanidade. Sim, a humanidade, a verdadeira, a humanidade no seu estado de simplicidade, de oração e de penitência. Era a visão da reunião final, talvez a maior reunião de verdadeiros crentes. Nunca tinha visto tal coisa neste mundo. Em Fátima a multidão ocupava uma só cova, tendo a impressão que a humanidade, verdadeiramente, era uma”, disse o Papa ao teólogo francês.

A propósito da Mensagem de Fátima, o Papa nada disse, eventualmente “numa vontade de querer respeitar a sensibilidade cautelosa de uma parte importante da Igreja”, interpreta monsenhor Luciano Guerra.

 

Um novo fôlego para a Igreja em Portugal

Numa altura em que as Aparições ainda eram discutidas na Igreja, a vinda do Papa “despertou um certo interesse e uma nova perspetiva sobre Fátima”, refere o padre Manuel Antunes, que também esteve na Cova da Iria a 13 de maio de 1967. Para este capelão do Santuário, que nesse dia coordenava o serviço de confissões, a presença do Santo Padre em Fátima foi um marco na vida da igreja  católica portuguesa.

“A vinda de Paulo VI marcou muito a vida religiosa da nossa gente e foi um novo fôlego para a fé em Portugal. Também foi a partir daí que o mundo começou a olhar mais para Fátima, porque esta visita foi vista, por muitos, como uma confirmação das Aparições. Esse crescendo de interesse notou-se no aumento do número de peregrinos, inclusivamente sacerdotes.”

O sacerdote também recorda o dia chuvoso e a “multidão entusiasta”.

“Como veio como peregrino, não tomou uma atitude diplomática, mas de pastor da Igreja, desligando-se completamente da política. Quando entrou no Santuário, foi uma explosão de alegria da multidão, ali presente para ver o primeiro Papa em Fátima”, refere.

 

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FOTO: Pormenor de um peregrino que segura um retrato de Paulo VI, no meio da multidão que encheu o Santuário.

 

Uma crónica de um dia repleto de emoções

Numa crónica condensada da presença de Paulo VI em Fátima, o acontecimento era narrado no jornal a “A Voz da Fátima”, em julho de 1967, pelo padre da diocese de Leiria José Galamba de Oliveira, relato que hoje recuperamos.

“O Santo Padre saiu de Roma manhã cedo num avião da TAP. Sobrevoou a Espanha, fez uma breve passagem sobre a Cova da Iria, onde a multidão o aclamou entusiasticamente com o acenar de lenços brancos e desceu no aeródromo de Monte Real às 9h53.

Aguardavam-no o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, o Presidente do Conselho de Ministro, Dr. António de Oliveira Salazar, outras altas individualidades civis e militares, D. João Pereira Venâncio, bispo de Leiria e o Núncio Apostólico e muito povo, especialmente das povoações vizinhas.

O Presidente da República fez uma saudação de boas-vindas que o Santo Padre agradeceu comovidamente. Depois, iniciou-se o extraordinário cortejo que terá ficado gravado na memória do Santo Padre: Ele viu com os seus próprios olhos o amor filial do Povo Português para com o Vigário de Cristo na terra.

Calorosamente saudado em todo o percurso e em especial junto das povoações, o cortejo deteve-se um pouco mais na cidade de Leiria, capital da diocese. O Presidente da Câmara entregou ao Santo Padre as chaves da cidade e uma bela mensagem de saudação e pedido de bênção para todo o povo do concelho.

Depois, foi a entrada solene na Cova da Iria. Foi certamente a mais extraordinária ovação que o Santo Padre jamais recebeu. Começou a Santa Missa. Depois do Evangelho o Santo Padre proferiu em português a homilia e na altura própria deu a comunhão a uns 50 fiéis.

Terminada a Missa, benzeu a primeira pedra do novo Colégio Português em Roma, recebeu os cumprimentos da Irmã Lúcia que apresentou à multidão e ofereceu à Imagem de Nossa Senhora de Fátima um belo rosário de prata. Foi este um dos momentos altos da sua peregrinação.

Feita uma oração especial pelos doentinhos e dada a bênção em conjunto, saudou uma vez mais a multidão e retirou-se para a Casa de Retiros Nossa Senhora do Carmo, onde tinha os seus aposentos e tomou a refeição. Antes, veio uma vez mais à presença da multidão à antiga varanda do albergue, onde recebeu nova aclamação.

A seguir à refeição, tiveram lugar as audiências programadas: ao Presidente da República e família, ao Presidente do Conselho, com alguns membros do Governo, ao episcopado português, corpo diplomático português, famílias reais presentes, leigos dirigentes de várias obras católicas e da Acção Católica, um grupo de cristãos separados aos quais dirigiu palavras de carinhosa saudação.

A despedida de Portugal foi breve e afectuosa. Às 22 horas da noite chegou a Roma: ‘Encontrei em Portugal um povo bom e piedoso. Foi uma experiência maravilhosa que mostrou o caminho para a reconstrução do Mundo tal como o desejamos - de oração, humildade, concórdia e boa vontade’.”

 

O dia 13 de maio de 1967 ficou como um marco para a vida de Igreja em Portugal, em geral, e para Fátima e a divulgação da sua Mensagem, em particular. Em Fátima, o Papa que hoje é canonizado anunciou-se como “peregrino humilde e confiante”. Trouxe a vontade de rezar pela “paz interior” da “Igreja una, santa, católica e apostólica” e pelo “mundo, a paz mundial”, e levou para o mundo a Mensagem de paz que Nossa Senhora deixou em Fátima.

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