10 de outubro, 2024

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Pés que rezam, corações que peregrinam

Nos dias que antecedem a última grande peregrinação a Fátima de 2024, milhares de peregrinos de todo o país fazem-se à estrada, numa jornada intensa de fé e partilha.

 

Ao início desta semana, já se viam peregrinos a pé a caminho de Fátima. Do norte, do sul e do interior do país, vários grupos peregrinavam com a bússola apontada ao mesmo ponto cardeal: a Capelinha das Aparições, no Santuário de Fátima, onde querem vir confiar a Nossa Senhora as preces que trazem consigo.

Muitos destes grupos estão coordenados com o Movimento da Mensagem de Fátima (MMF), que dinamiza o apoio aos peregrinos a pé por estes dias. José Marques integra o MMF e vem de Braga. Encontramo-lo a meio do percurso, em Albergaria-a-Velha. Está na estrada desde segunda-feira, com mais quatro peregrinos e conta chegar à Cova da Iria no dia 12, cumprindo uma média de 30 a 40 quilómetros diários. As pernoitas já estão planeadas nas localidades por onde vão passando.

“O primeiro dia foi mais complicado porque choveu o dia todo, mas nós temos impermeáveis e nunca paramos. Nada nos para”, assegura o peregrino minhoto de 62 anos, que já vem a pé a Fátima há três décadas. Desta vez, veio para cumprir uma promessa e trouxe consigo três novatos nestas andanças.

“Mesmo que eles não viessem, eu vinha sozinho”, diz, convicto, ao admitir ser “bem melhor” peregrinar com companhia, pelo convívio e espírito de entreajuda.

José costuma peregrinar em maio, mas este ano decidiu fazê-lo em outubro. Tirou férias e pôs-se a caminho, num percurso que já conhece muito bem. Por comparação, sente que neste fim de ano não há tanto apoio na estrada aos peregrinos a pé, mas, com a devida preparação, acredita que o longo percurso de quase 250 quilómetros há de ser cumprido sem muitas feridas.

Este ano, já esteve na Cova da Iria em 13 de agosto, mas foi de carro, o que, segundo ele, não é a mesma experiência.

“A pé cansa mais, são mais dias, fica mais caro, mas a motivação é outra”, justifica este peregrino de Braga, que agora só tomará boleia das quatro rodas no regresso a casa, onde irá retomar o trabalho com a alma renovada destes dias.

 

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Para o padre Nuno Folgado, de Castelo Branco, esta é a primeira peregrinação a pé a Fátima. FOTO © Hugo Franco

 

“Só levar o que nos faz mesmo falta”

São dez horas da noite de terça-feira e a Igreja de São Tiago, no centro da cidade de Castelo Branco, enche-se de peregrinos e familiares, para uma celebração de bênção que irá assinalar a partida da peregrinação a pé até Fátima.

Entre o grupo de meia centena de peregrinos, com idades entre os 30 e os 55 anos de idade, está o padre Nuno Folgado, pároco de São Miguel da Sé, que fará o caminho a pé até Fátima pela primeira vez. Na curta celebração de envio a que preside, convida os peregrinos a abeirarem-se da confissão, durante o longo percurso.

“A peregrinação é muito oportuna para o sacramento da Reconciliação porque exige a reflexão, a meditação, a descoberta de si mesmo e de coisas que nos pesam demais. Na peregrinação, tornamo-nos especialistas em só levar o que nos faz mesmo falta”, explica o sacerdote a um canal regional, que irá acompanhar o caminho dos peregrinos.

Associação de Peregrinos de Maria de Castelo Branco é o nome deste grupo albicastrense. Hugo Franco é um dos responsáveis e é ele que assume o contacto com o Santuário de Fátima, através do Movimento da Mensagem de Fátima. Esta é a sua 14.ª peregrinação a pé a Fátima. Neste tempo, decidiu frequentar a formação de guias a pé do MMF e agora ajuda na organização das peregrinações.

“Este rezar com os pés é uma coisa que nos faz muito bem à alma”, explica este guia, ao recordar a primeira vez que foi à Cova da Iria, com cinco anos, numa Peregrinação das Crianças, numa experiência que identifica como o início desta sua estreita ligação a Fátima. Quatro décadas depois, vive cada peregrinação como um “momento de purificação”.

“A minha passagem de ano não é a 31 de dezembro, mas depois de cada peregrinação a pé a Fátima, na qual me liberto de tudo o que é mau e de onde venho rejuvenescido e com outra energia e motivação”, descreve.

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Grupo Peregrinos de Maria de Castelo Branco, a caminho de Fátima. FOTO © Hugo Franco

 

O que fica para trás

O grupo sai de Castelo Branco às 22h30, com destino a Proença-a-Nova, num extenso percurso de 55 quilómetros, que se impõem pela falta de uma logística apropriada de apoio aos peregrinos a pé naquela zona do interior do país, assinala o guia do grupo.

Segue-se Cernache do Bonjardim e a localidade de Chãos, na última paragem antes dos derradeiros quilómetros até ao Santuário. Ali, a população estará, como habitualmente, à espera do grupo para participarem em conjunto numa procissão das velas, nessa mesma noite.

Numa das dinâmicas propostas para o caminho, os elementos do grupo são convidados a rezar pelo mesmo terço, individualmente ou em grupo, terço este que, chegados ao Santuário, será oferecido a Nossa Senhora, com o significado simbólico das orações que com ele foram rezadas.

À frente do grupo, que forma uma mancha azul-turquesa, segue uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que é transportada à vez por todos os peregrinos. Três estandartes vão a meio do grupo e, atrás, uma cruz, com umas fitas para depositar aos pés da Virgem, à chegada à Capelinha das Aparições, como forma de agradecimento.

Passo a passo, cada quilómetro trilhado é vivido de forma especial e deixa para trás partilhas feitas, risos, lágrimas e confidências, intercalados por momentos de oração pessoal e em grupo, que aprofundam o sentido da peregrinação.

“Depois de quatro dias a caminhar, quando pisamos o Santuário, acontece um milagre e as dores e o peso desaparecem. As nossa tensões e preocupações vão ficando para trás e, quando ali chegamos, estamos completamente libertos e em paz”, descreve Hugo Franco.

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O grupo “Peregrinação: o Retiro”, de Évora percorre 200 quilómetros a pé até Fátima. FOTO: © Amílcar Alves

 

O ânimo da partilha do caminho

Encontramos o grupo “Peregrinação: o Retiro”, de Évora, à chegada à Barragem de Montargil. Falamos com Amílcar Alves, guia do MMF dos 57 peregrinos que o integram, em conjunto com o diácono Bernardino Melgão. É o guia que nos descreve o percurso até Fátima.

“Partimos de Évora, da igreja de São Francisco, onde tivemos uma eucaristia de envio. Seguimos em direção a Arraiolos, onde dormimos numa escola. Passámos Cabeção e agora Montargil, e seguimos depois para Chouto, Riachos e Fátima, num total de cerca de 200 quilómetros percorridos em seis dias”.

Do acolhimento que vão recebendo nas localidades por onde passam e pernoitam, Amílcar só tem bem a dizer.

“As pessoas respeitam e ajudam muito os peregrinos, oferecendo água, comida e o que for necessário. Em Pavia, por exemplo, vamos almoçar numa coletividade que as pessoas abrem de propósito para nos acolher. Estas atitudes tocam-nos imenso e nós retribuímos com a nossa oração”.

Aos 63 anos, Amílcar está reformado. Não fosse o atropelamento grave, há quatro anos, e estaria também a trilhar caminho. Fica na retaguarda, a dar o apoio necessário e é como se fosse a pé.

Embora a peregrinação com este grupo seja organizada há apenas 13 anos, Amílcar já peregrina a Fatima há mais de 20 anos e, pela experiência que acumula, nota que hoje as pessoas partem fisicamente mais bem preparadas para esta jornada de fé. Além dessa iniciativa particular, cumprida em pequenas caminhadas diárias, o próprio grupo também organiza, um mês antes, uma peregrinação a pé a um santuário mariano do Alentejo, como forma de aquecimento e incentivo para a vinda a Fátima.

Nos momentos de maior dificuldade, uma palavra de ânimo é essencial, lembra Amílcar, que vê na figura do diácono que acompanha o grupo a companhia ideal para esta ajuda.

“O nosso grupo chama-se “O Retiro” pela espiritualidade que tem, muito graças à palavra sempre disponível do nosso diácono Bernardino Melgão, que, nos momentos mais emocionalmente difíceis, faz retomar o caminho com renovada confiança”, assegura. No entanto, no que toca a emoções, “o momento mais forte é, sem dúvida, a chegada ao Santuário”.

“Cada peregrinação é diferente e, por mais que façamos este caminho, a chegada é sempre muito especial, também pela partilha que fomos fazendo ao longo do caminho”.

 

“Um treino para a vida”

A faixa etária deste grupo de Évora é alargada. O peregrino mais novo é Diogo, “o benjamim”, de 20 anos, que vem em agradecimento, acompanhado da família. António Felício é o mais velho e, nos seus 73 anos e já 26 peregrinações, move-se pela fé e gratidão à Mãe de Deus.

Cada um, com a sua intenção, segue a caminho do encontro com Nossa Senhora, em Fátima. Amílcar, apesar de não poder fazer o caminho a pé, continua a realizar-se neste seu serviço aos outros: aos que vão a pé e sobretudo àqueles que não podem ir a Fátima.

“Faço-o como agradecimento à Mãe por tudo o que tenho tido na vida. A minha alegria é poder chegar aos pés de Maria e oferecer as minhas peregrinações e o meu serviço por aqueles que sempre desejaram, mas nunca puderam peregrinar a Fátima”.

Esta projeção do caminho nos outros é comum aos peregrinos de Évora, de Braga e de Castelo Branco, que, na Virgem de Fátima, encontram o regaço onde sentem que podem confiar as intenções que aqui trazem. Depois, vem o regresso ao ponto de partida e ao quotidiano, num recomeço inevitavelmente transformado pela experiência deste “rezar com os pés”, como atestou, à saída do grupo de Castelo Branco, o padre Nuno Folgado.

“A peregrinação não é um fim em si mesmo, mas um treino para a vida, para que depois o dia a dia seja mais aquilo que queremos que seja”.

Para os dias 12 e 13 de outubro, os dados desta quinta-feira dos serviços do Santuário registam a inscrição de 173 grupos de diversas proveniências do globo.

A garantir a segurança desta peregrinação nos acessos a Fátima está a Guarda Nacional Republicana, que está a implementar um dispositivo especial de segurança e intensificará as ações de patrulhamento nas principais vias de acesso à Cova da Iria. Neste sentido, recomenda aos peregrinos que se desloquem a Fátima por estes dias que se façam a viagem atempadamente, por forma a evitar filas prolongadas e, no final das celebrações, que saiam calma e gradualmente, evitando momentos de maior afluência.

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