13 de setembro, 2020

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Quando a selfie é fake news

 

Poucos ainda acreditarão que, apenas há alguns anos, os peregrinos se despediam da Senhora de Fátima, na procissão do adeus, com lenços brancos na mão e não com os agora habituais smartphones multicolores. Mas é hoje sabido que os momentos da nossa vida só se tornam relevantes quando a selfie comprova a nossa presença com as cores iluminadas de um ecrã e recolhe os likes de amigos que mal conhecemos.

Não sei se ainda confiamos na nossa capacidade interior do espanto. É como se precisássemos da confirmação social de que aquilo que nos mexe interiormente é digno de receber o nosso deslumbre. Infelizmente, é precisamente a alegria do momento que tantas vezes se perde com esta obsessão da selfie. Quantas vezes ela redunda na partilha da alegria de um momento que não vivemos de verdade? Não é raro a selfie ser fake news. Ocupados a guardar o momento na memória do telemóvel, esquecemo-nos de o colecionar no arquivo do coração. É certo que este é um arquivo frágil, que reescreve criativamente cada momento, que esquece, por vezes, os detalhes que queríamos recordar e que recorda, outras vezes, o que ansiávamos esquecer. Faltam-lhe funcionalidades avançadas que permitam selecionar e editar as imagens e, num clique, oferecer ao mundo os instantes inesquecíveis da nossa vida. Mas este arquivo frágil é o único que nos permite interiorizar esses momentos irreversíveis e partilhá-los não com os traços fidelíssimos da fotografia, mas com o rol de sentimentos e emoções que dão cor à memória através da qual nos partilhamos a nós mesmos.

Talvez esta obsessão de colecionar em galerias virtuais as fotografias que nunca havemos de imprimir, mas que ali pretendem ser como que testemunho da nossa destreza social, seja indício de que abraçamos um jeito de ser que tenta a todo o custo convencer os outros de que vivemos vidas muito mais interessantes do que aparentemente possam parecer. Talvez nos assuste que a nossa vida efémera seja demasiado insignificante e aborrecida e assim se justifique que nos seja mais importante arquivar instantes de vida do que vivê-los. Estou convencido de que alguém, um dia, fará o diagnóstico do nosso tempo para concluir que sofremos de uma perturbação obsessiva compulsiva que se chama aprovação ou sucesso.

A verdade é que a aparência esconde o essencial. O presente é sacramento. O aqui e o agora é bênção do abraço de Deus que não precisa de toques de edição, nem de likes de aprovação. E talvez não haja exercício mais simultaneamente difícil e frutífero que o de permanecer no tempo presente, num espanto que precisa do despertar interior, desse lugar inviolável da solidão íntima que me faz presente para Deus e para os outros. Se reaprendermos o sacramento do presente, os nossos olhos verão o que apenas o coração pode guardar. Tinha razão Sherlock Holmes, que observava justamente ao seu caro Watson: «Tu vês, mas não observas». Também Jesus perguntava aos seus discípulos, demasiado ocupados a pensar em alimento quando ele lhes falava da vivência interior: «Vocês têm olhos, mas não veem?» (Mc 8,18).

Se ao menos eu fizesse jejum da selfie.

 

Pedro Valinho Gomes, Investigador nas áreas da Teologia e da Filosofia

(In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1176, 13 de setembro 2020) 

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