22 de agosto, 2025

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Visita guiada à biblioteca literária de Fátima

Agripina Carriço Vieira estudou a forma como a literatura vê um dos mais marcantes acontecimentos da História de Portugal. O resultado está publicado em livro, com a chancela do Santuário de Fátima. 

 

José Saramago, Agustina Bessa-Luís e Valter Hugo Mãe são alguns dos nomes que constam de uma vasta lista de autores de língua portuguesa a quem o fenómeno religioso de Fátima captou o interesse, moldou personagens e ajudou a tecer enredos.

Agripina Carriço Vieira estudou a presença das aparições na prosa em língua portuguesa e contabilizou mais de 600 livros e textos escritos, assinados por 378 autores, crentes e não crentes.

O estudo deu origem ao livro Nos corredores da biblioteca de Fátima ─ os olhares dos prosadores, lançado, em julho passado, no Curso de Verão do Santuário de Fátima, com a apresentação de Guilherme d’Oliveira Martins, que também prefaciou a obra.

Ao debruçar-se sobre a forma como a literatura vê o acontecimento de Fátima, numa minuciosa observação ao discurso, Agripina Vieira afirma que a sua intenção é revelar “o contributo da prosa para a compreensão e análise de um acontecimento histórico”. A autora acredita que “percorrer os livros da biblioteca literária de Fátima é aproximarmo-nos da perceção de um acontecimento estruturante da nossa identidade”.

O resultado é um caleidoscópio de abordagens e perspetivas, visível em registos discursivos sarcásticos como o de Fernando Pessoa, neutros como o de Almada Negreiros ou apologéticos como o de Maria Lamas.

Da análise realizada fica evidente que “as experiências sobrenaturais vivenciadas por três crianças na Cova da Iria são um poderoso ativador do imaginário individual e coletivo”, descreve a autora.

Saramago, Agustina e Valter Hugo Mãe

Fátima é transversal a todos os géneros literários e embora o tema inspire peças de teatro e poemas, foi na prosa em língua portuguesa que Agripina Vieira se deteve e sobre a qual, em exclusivo, centrou o olhar.

Na impossibilidade de retirar os mais de 600 livros da estante e transpô-los para a edição que agora deu à estampa, a professora e investigadora, doutorada em Estudos Literários e Culturais, propõe um percurso pelas obras em função da temática abordada, do registo discursivo e da relevância do tema para a economia da narrativa.

Por ser igualmente impossível trazer esse corpus para este texto, fica a partilha fugaz de três autores a quem as aparições inspiraram na criação de personagens.

José Saramago é um dos autores que merece destaque na biblioteca de Fátima. No romance de 1984 O ano da morte de Ricardo Reis, não só aborda o tema, como lhe dedica um dos capítulos finais.

Como refere Waldecy Tenório, citado por Agripina Vieira, “Saramago recusa a religião, mas, ao mesmo tempo, manifesta uma verdadeira obsessão por Deus”. Assim sendo, seria difícil que a temática de Fátima não lhe merecesse referência. Na obra mencionada, é o próprio Ricardo Reis que vai à Cova da Iria, a 12 e 13 de maio. É dele que emana o relato irónico e burlesco do que ali se vivencia, desconsiderando as práticas religiosas e as demonstrações de fé a que assiste. Ricardo Reis “não ficou para o adeus à Virgem” e abandonou o lugar dececionado, como bem elucida o excerto: “Não houve milagres. A imagem saiu, deu a volta e recolheu-se, os cegos ficaram cegos, os mudos sem voz, os paralíticos sem movimento, aos amputados não cresceram os membros, aos tristes não diminuiu a infelicidade”.

Na obra de Agustina Bessa-Luís A alma dos ricos, igualmente examinada por Agripina Vieira, a vivência da religião é perspetivada a partir da devoção a Maria. A personagem Alfreda Cardosa desde os 11 anos que alimenta o desejo singular de ver e conversar com a Virgem, como se de uma colega de colégio se tratasse. E explica as circunstâncias da visão que gostaria de ter: “Seria uma coisa muito diferente daqueles encontros com aqueles pastorinhos sem nenhuma espécie de instrução”. Rica e culta, Alfreda considerava reunir condições dignas para receber a visitação de Maria: “Em vez de me aparecer em cima de uma árvore, abro-lhe as portas da minha casa onde podemos conversar à vontade”.

Em Valter Hugo Mãe, mais concretamente no livro a máquina de fazer espanhóis, o fenómeno de Fátima é apresentado pelo senhor silva, não crente, que recebe uma pequena estatueta da Virgem aquando da entrada no lar: “Olhei para a figura da nossa senhora de fátima e falei mudo, tenho pena de ti, metida à cabeceira dos tristes nos lugares mais tristes de todos e agora vens assistir-me, eu que nada tenho para te mostrar que valha o empenho de manteres incessantemente esses olhos azuis abertos, essas mãos postas no ar”.

Valter Hugo Mãe vai moldando a relação do senhor silva com a imagem da Virgem, alterando-a e conferindo-lhe uma ambivalência de sentimentos que culmina, nos últimos instantes da vida da personagem, com este pedido: “levem-me com a mariazinha, não ma deixem aqui”.

Um precioso catálogo

Agripina Vieira percorre os escritos de muitos outros autores, de que são exemplo António Lobo Antunes, Miguel Real, José Cardoso Pires, José Luís Peixoto, Augusto Abelaira, Maria Velho da Costa ou Miguel Torga. Deste último destaca uma passagem do Diário XII: “Levas e levas de peregrinos em direção a Fátima. E estrebuchem no papel os livres pensadores. Se não há sobrenatural, como eles afirmam, há pelo menos necessidade de transcendência”.

No final do livro, a autora reserva ao leitor mais curioso e interessado por Fátima uma pequena joia: a lista das obras em prosa que, com maior ou menor importância, convocam o tema e o ano em que foram escritas.

“A presença da narrativa de Fátima, em número tão significativo de ocorrências, decorre da circunstância de estarmos perante um acontecimento marcante da história do século XX, em Portugal, e surge como evidência de que os acontecimentos ocorridos na Cova da Iria a todos interpelam”, escreve a autora.

Nos corredores da biblioteca de Fátima ─ os olhares dos prosadores é o quarto livro da coleção Fátima ─ História, Cultura e Sociedade, publicada pelo Santuário de Fátima. Antecederam esta obra As aparições de Fátima: reconstituição a partir dos documentos, de Luciano Coelho Cristino; Sob os braços da Azinheira: leituras de Fátima, de Ruy Ventura; e Religiosidade & otimismo: estudo psicossociológico dos peregrinos ao Santuário de Fátima, da autoria de Lisete Mónico.

Esta coleção editada pelo Santuário reúne obras em que “Fátima ─ e o que psicologicamente envolve este conceito ─ se mostra consequência e motor da História, da Cultura e da sociedade que nela se espelham e que dela irradiam”. 

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