18 de maio, 2025

 

“Continuo a ser surpreendido com o lugar e a importância que Fátima tem no mundo”

Neste mês de maio, sempre significativo para o Santuário de Fátima, o padre Carlos Cabecinhas assinala 30 anos de ordenação presbiteral. O contexto convida a uma entrevista ao reitor do Santuário de Fátima, em que fala da sua vocação e da visão que tem construído sobre a missão e a atividade deste espaço de culto e oração, mundialmente conhecido.

 

Ordenado presbítero em maio de 1995, o padre Carlos Cabecinhas assumiu em 2011 a liderança do Santuário de Fátima. Doutorado em Liturgia, foi como capelão e como diretor de Departamento de Liturgia que iniciou o vínculo à instituição.

A devoção mariana já a trazia de casa, mas reconhece que a aprofundou muito pelo testemunho de fé dos peregrinos no Santuário.

Realizada na sala de visitas da reitoria, com duas telas de João de Sousa Araújo em fundo, a entrevista contemplou mais duas partes: uma na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, onde o padre Carlos Cabecinhas foi ordenado presbítero e onde mais gosta de estar em oração. Outra, no Museu do Santuário, para falar desse espaço e das peças da sua preferência.

 

Foi ordenado presbítero em maio de 95, há precisamente 30 anos. Recorda-se do momento em que ficou claro para si que era esta a sua vocação?

No meu caso, foi, não um momento, mas um processo, isto é, eu fui amadurecendo pouco a pouco e progressivamente a certeza de que este era o meu caminho de realização vocacional, o caminho a que Deus me chamava.

Eu entrei para o seminário menor já com essa perspetiva de querer ser padre, mas ainda sem qualquer certeza a esse respeito. Diria que é sobretudo na transição entre o seminário menor e o seminário maior que começa a solidificar-se a certeza de que este era o meu caminho, o caminho que eu queria para a minha vida, o caminho a que sentia que Deus me chamava. Acaba por ser precisamente a partir dos 18, 19 anos que para mim começa a ficar claro qual é o rumo que eu quero escolher para a minha vida, por sentir que é esse o caminho a que Deus me chama.

O ambiente familiar ajudou na decisão? Com que valores cresceu?

Ajudou-me a diversos níveis. Por um lado, porque tive uma sólida educação católica e, por outro lado, porque senti sempre da minha família uma enorme liberdade em relação àquela que fosse a minha opção. Isso foi algo que me ajudou também no discernimento. Por um lado, vivi sempre com os meus pais e os meus irmãos com ritmos e hábitos de oração que aprendi desde casa. Não foi algo que fosse aprender à catequese. A catequese veio ajudar a estruturar alguma coisa do que eu trazia já de casa. Trouxe de casa, aprendi em casa, com os meus pais, essa vivência, mas o facto de, quando fui para o seminário, os meus pais me terem deixado toda a liberdade, dizendo “vais, mas se não for aquele o teu lugar, vens e és recebido da mesma forma”, essa liberdade, para mim, foi sempre fundamental, porque nunca me senti condicionado naquela que fosse a minha opção de vida e isso foi decisivo para poder decidir em liberdade.

Assumiu as funções de reitor do Santuário em 2011, portanto, há 14 anos que este é o lugar da sua vocação. Quando o convite lhe foi feito, que conversa teve com a Nossa Senhora?

Quando o convite me foi feito, a primeira reação foi de um grande susto, porque não estava nas minhas perspetivas, não tinha posto a hipótese de que viesse a acontecer e por isso, na conversa com Nossa Senhora, a primeira reação foi de uma enorme confiança, embora, com o coração apertado, de dizer que aqui estava para dar o meu melhor, para fazer o melhor que pudesse. É uma oração que continuo a fazer, que ela me ajude a fazer o melhor para o Santuário e que, sobretudo, a minha ação nunca fosse estorvo ou impedimento à ação dela.

E como tem desenvolvido a devoção mariana através da experiência aqui no Santuário de Fátima?

Como eu dizia, trago a devoção mariana, a devoção a Nossa Senhora, desde a minha infância, desde os valores que recebi em minha casa. Agora, obviamente, a experiência no Santuário ajudou-me a amadurecer profundamente esta devoção mariana, não só porque ela se intensificou naturalmente, neste lugar, mas porque, por um lado, o testemunho da profunda devoção dos peregrinos de Fátima, me foi tocando e ajudando a desenvolver e amadurecer a minha própria devoção a Nossa Senhora, e, por outro lado, o aprofundamento da mensagem de Fátima, para mim, tem sido decisivo para aprofundar essa devoção mariana. Posso dizer que hoje a minha devoção a Nossa Senhora é diferente, que é muito mais amadurecida do que era quando assumi as funções de reitor do Santuário.

Quando assumiu as funções de reitor, já aqui trabalhava como diretor do Departamento de Liturgia.

Sim, já trabalhava há um ano como diretor do Departamento de Liturgia. Já colaborava desde 2003 como responsável pelas grandes celebrações e já, durante todo o tempo de seminário, tinha uma colaboração mais pontual nas grandes peregrinações. Portanto, a minha ligação a Fátima já vinha de longe. Obviamente, é sobretudo quando venho trabalhar para o Santuário como diretor do Departamento de Liturgia, em 2010, que começo a conhecer de forma mais profunda toda a estrutura do Santuário. Até aí conhecia, porque colaborava. A partir daí, o conhecimento vai-se aprofundando.

De qualquer forma, é um conhecimento que se revela claramente insuficiente quando se assume depois a função de reitor e se sente que este é um mundo tão grande que nós não conhecemos quase nada.

Que dons e responsabilidades sentiu que tinha de ter como reitor do Santuário. E se não as tinha, que tinha de adquirir?

Essa é uma pergunta um pouco difícil de responder. Creio que é fundamental conhecer-se Fátima, conhecer a mensagem de Fátima e ter essa perceção da dimensão de Fátima, isto é, da dimensão de Fátima no nosso país e da dimensão de Fátima no mundo. Creio que é decisivo e é fundamental para quem assume essas funções. Para mim, foi o ter já alguma consciência da dimensão de Fátima, uma consciência que, depois, se foi aprofundando, porque eu fui sendo surpreendido e continuo a ser surpreendido com o lugar e a importância que Fátima tem no mundo.

Depois há toda uma série de outros aspetos e de competências que vamos ter de ir adquirindo, nomeadamente toda uma dimensão administrativa, de gestão que eu não trazia como bagagem, tive de me rodear de muita colaboração. Mas eu creio que esse é um dos aspetos fundamentais do trabalho no Santuário: nunca é um trabalho isolado.

Hoje, graças ao Papa Francisco, agora falecido, falamos muito de sinodalidade, mas há muito que no Santuário procuramos implementar este tipo de governo. Isto é, o reitor não decide sozinho. O reitor tem um conjunto de colaboradores com quem reúne, que ouve e que o ajudam no governo e na administração do próprio Santuário.

Não se preparou especificamente para a função de gestor, que também acaba por ter aqui?

Não, nunca.

Foi adquirindo, ao longo do tempo, essa experiência?

Nunca tive formação específica. Aliás, nós, padres, não temos formação específica a nível de administração, embora muitas vezes tenhamos, depois, de exercer funções a esse nível. Fundamentalmente, o caminho que fui fazendo foi este: foi de reunir-me de ajudas e de pessoas de confiança e competentes nessa área que ouvi e com quem fui aprendendo algo e com quem continuo a aprender.

Aquilo que para mim me deu sempre maior confiança foi não decidir sozinho, mas poder ouvir outras pessoas para tomar as decisões mais importantes.

O Santuário recebeu recentemente a visita de comitivas de outros santuários europeus que vieram para tomar conhecimento de como funciona o Santuário de Fátima e aprender alguma coisa com as boas práticas que aqui têm sido implementadas. Isso há de deixá-lo orgulhoso, com certeza, mas com base nisso, podemos dizer que rigor e profissionalismo são dois substantivos que se enquadram bem aqui na forma de gerir o Santuário?

Sem dúvida, rigor e profissionalismo são absolutamente fundamentais na gestão do Santuário. Por um lado, o profissionalismo dos nossos colaboradores e esse tem sido um esforço progressivo do Santuário, de se dotar dos melhores profissionais nas diversas áreas para levar por diante aquela que é a missão diária do Santuário. Por outro lado, um profundo rigor que tem que ver com o respeito para com os peregrinos. Se o Santuário vive dos donativos dos peregrinos, é nossa responsabilidade sermos extremamente rigorosos na gestão daquilo que os peregrinos nos confiam.

Como é o seu quotidiano aqui?

É um quotidiano cheio de surpresas diárias. Tenho um ritmo mais ou menos estável, isto é, tento começar o dia com a celebração da missa sempre que é possível. Há vários dias que não começam com a celebração da missa e tenho a missa um pouco mais tarde, mas procuro começar com a celebração da missa.

Às 9h30?

Normalmente às 9h00, uma vez ou outra às 7h30 e nalguns dias, nomeadamente aos domingos, às 11h00 ou noutros dias mais solenes, às 11h00, mas habitualmente às 9h00. Depois, toda a manhã é habitualmente ocupada com reuniões internas com colaboradores. As tardes são ou para reuniões ou para encontros, eu diria mais informais, com os vários colaboradores ou para atendimento de peregrinos e acolhimento das pessoas que queiram e precisem de falar comigo ou para aquilo que é o despacho habitual do Santuário, como seja a resposta a emails, a resposta a correio, a análise de processos internos e as decisões sobre processos internos que ocupam habitualmente parte da tarde, o fim de tarde e os serões. Depois, há toda uma parte surpresa, porque eu diria que isto é um dia tipo, só que este é um lugar em que cada dia nos vai surpreendendo, ou porque surgem coisas que não estão programadas ou porque o próprio programa do Santuário não se cinge a este tipo de programas tão fixos. Por isso, creio que para quem sofre com problemas de rotina, o trabalho no Santuário é um ótimo antídoto.

Ainda lhe sobra tempo, pelo que descreve, para estar com os peregrinos, para ser padre?

Sim, eu devo dizer que essa é uma das dificuldades e foi uma das dificuldades iniciais. Muitos dos aspetos daquilo que é o exercício do ministério como padre acabam por ficar muito limitados a nível da disponibilidade de tempo, mas é absolutamente fundamental nunca os perder, não apenas na presidência das celebrações ou momentos de oração em que isso acontece, mas também, muitas vezes, no contacto informal com os peregrinos e, num momento ou noutro, também de direção espiritual ou de acompanhamento espiritual, obviamente muito condicionado, sempre, pelas disponibilidades de agenda que, neste caso concreto, acabam por ser mesmo bastante pesadas.

Destes anos que já leva como reitor do Santuário, quais foram os momentos mais marcantes para si?

Teria de fazer aqui distinções. A nível do contacto pessoal, os momentos mais marcantes têm sido sobretudo o contacto com peregrinos e com o testemunho de fé de peregrinos ao longo destes anos, seja como reitor, seja antes como capelão, seja nos anos em que colaborei com o Santuário. O contacto com a fé dos peregrinos, a confiança daqueles que aqui acorrem, tem-me marcado muitas vezes pelo testemunho que me deixam.

Como reitor, eu destacaria dois momentos fundamentais. Um positivo, que foi o Centenário das Aparições, isto é, todo aquele conjunto de iniciativas ligadas aos 100 anos das Aparições de Fátima e que culminaram com a vinda do Papa Francisco e a canonização dos Santos Francisco e Jacinta Marto. Foi um período intensíssimo, extremamente forte, também a nível da vivência pessoal daquilo que era ser reitor do Santuário e estar no Santuário. Mas foram momentos também inolvidáveis, momentos que eu não poderei esquecer.

De um ponto de vista negativo, eu elegeria a pandemia, sobretudo o ano de 2020, depois daqueles anos do Centenário, depois da enorme afluência, nos anos que se seguiram 2017, 2018, 2019, de repente, de um momento para o outro, sem qualquer pré-aviso, o Santuário fica completamente despido, completamente vazio de peregrinos.

E aquela foi uma situação que se prolongou depois, ainda por 2021. Foram talvez os momentos que me marcaram profundamente e dos mais dramáticos vividos aqui no Santuário.

A sociedade laiciza-se, as pessoas afastam-se das instituições católicas, as igrejas estão vazias, mas o Santuário de Fátima conta todos os meses com milhares de peregrinos. Como é que explica esta aparente incongruência?

Os santuários têm sempre uma capacidade de atração diferente. É verdade que muitas das nossas igrejas se esvaziam, aliás, durante a pandemia, muitas das pessoas deixaram, perderam aquele ritmo de ir à igreja todos os domingos e não recuperaram. Muitas das pessoas que deixaram de ir às nossas igrejas durante o tempo da pandemia não regressaram no pós-pandemia.

No Santuário não se verificou. No Santuário, verificámos sempre um enorme desejo das pessoas voltarem e, mesmo durante o tempo da pandemia, assim que foi possível, o Santuário encheu-se. Porquê? Porque o Santuário é um lugar especial e é sentido como lugar especial. Diria que é sentido como um lugar especial quer pelos crentes que habitualmente participam nas celebrações das suas comunidades e que sentem o vir ao Santuário como o recuperar um pouco do seu entusiasmo, viver a fé de um outro modo, o experimentar a peregrinação, esse ir a um lugar diferente para voltar diferente para a vida do dia a dia. Mas também para muitas outras que não têm ou não sentem esse compromisso, essa ligação a uma comunidade concreta, que não vão habitualmente às celebrações nas suas paróquias, mas que mantêm esta dimensão religiosa ligada sobretudo à devoção a Nossa Senhora e que continuam a vir a Fátima. Aqui encontramos uns e outros. Encontramos esses cristãos convictos que vêm para, de alguma forma, solidificarem a sua fé e aqueles com uma fé muito ténue, mas que não deixam de vir e não deixam de sentir essa necessidade espiritual.

Creio que essa é uma das grandes responsabilidades do Santuário, que é acolher a uns e a outros. Dar a força àqueles que já vêm, que vivem a fé com entusiasmo, para que regressem mais fortalecidos, mas não deixarmos também de acolher aquele anseio espiritual de tantas outras pessoas que aqui acorrem e que precisam de sentir esse lugar especial que é o Santuário, fazer essa experiência única que é o de vir aqui em peregrinação, de estar aqui no momento em oração, seja na multidão, seja sozinhos, no silêncio, porque sentem essa necessidade da presença espiritual, da presença de Deus na sua vida, muitas vezes uma experiência a que não sabem dar nome.

Acha que é por isso que dizem que sentem paz aqui? Parece que se sentem escutados aqui.

Esse é um dos aspetos mais interessantes. Porquê? Porque nós conhecemos Fátima muitas vezes por causa da multidão, olhamos para Fátima nos grandes dias 12, 13, no dia em que está cá o Papa, no dia em que acorrem aqui milhares e milhares de peregrinos. E é verdade que essa multidão e o entusiasmo da multidão atrai. Mas também é verdade que há muitos peregrinos que vêm atraídos pelos dias em que não há multidão, que vêm aqui porque precisam de um momento de paragem, de silêncio, porque aqui se sentem efetivamente em paz. É cada vez maior o número daqueles que nos testemunham isso, que procuram Fátima porque precisam desse espaço de paz que não conseguem encontrar no dia a dia, que não têm noutro lugar e que encontram aqui. Por isso, para o Santuário, há esta preocupação de preservar também esse ambiente de silêncio e de paz nos seus espaços que é um desafio permanente, sem descurar aquilo que são os momentos das grandes celebrações.

Falou na vinda do Papa e das multidões. No Santuário, acompanhou a vinda de três Papas: Bento XVI ainda não como reitor, e o Papa Francisco por duas vezes, já como reitor. O que é que pode partilhar connosco que não estivesse ao alcance das televisões que sempre os acompanham nesse momento? Desse contacto mais pessoal do que é que pode partilhar connosco?

Eu partilharia um aspeto em relação ao Papa Bento XVI. Eu, de facto, não estava ainda no Santuário como capelão, quando o Papa Bento XVI veio em peregrinação. Foi em maio de 2010, mas tive a graça de ser o responsável pelas celebrações do Papa a nível nacional e com a responsabilidade direta das celebrações aqui em Fátima, o que significou que tive uma particular proximidade com o Papa, nomeadamente na preparação das celebrações.

Uma das coisas que me tocou foi precisamente perceber a enorme paz e interioridade que o Papa Bento XVI tinha e que procurava quando se preparava para uma celebração. Eu já o conhecia, tinha conhecido ainda como Cardeal Ratzinger, tinha tido uma ou outra oportunidade para estar com ele. É um homem extremamente afável e simpático. Ao contrário daquela imagem, tantas vezes transmitida, de um homem duro, de um homem pouco simpático até nas suas posturas e na sua forma de encarar a Igreja.

Efetivamente, era um homem que, no trato pessoal, era de uma simpatia, de uma cordialidade e de uma delicadeza a toda a prova. E tinha este aspeto interessantíssimo, que era, antes das celebrações, o quanto ele procurava concentrar-se e interiorizar-se. Estava efetivamente em silêncio e oração no momento em que se paramentava.

Tive também essa graça de acompanhar duas visitas do Papa Francisco e gostaria de destacar um ou outro aspeto.

Por um lado, destacar a boa disposição do Papa Francisco. Era um homem com um bom humor a toda a prova e sempre com bom humor. Eu recordo-me, por exemplo, quando chegou aqui à Capelinha, recentemente em agosto de 2023, nalgumas fotografias está o senhor D. José Ornelas e eu a rirmo-nos claramente à gargalhada, porque quando cumprimentei o Papa, dei as boas-vindas, e disse “Santo Padre, este é o lugar onde todos os dias se reza por si”. E o Papa respondeu: “a favor ou contra?”, com aquela boa disposição que sempre o caracterizava. Portanto, era um homem com bom humor e um humor que lhe saía espontâneo, mas um homem também, que não perdia nunca o foco. Recordo-me quando, em 2017, ele foi visitar a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, as palavras que me disse - porque eu acompanhei a visita, o senhor bispo, na altura D. António Marto, pediu que fosse eu a guiar aquela visita aos túmulos dos santos que ele ia canonizar, na altura os beatos Francisco e Jacinta - e as duas palavras que me deixou: que este Santuário fosse sempre um lugar de acolhimento e “diz aos sacerdotes que trabalham no Santuário que usem sempre de misericórdia”.

Era um homem que nunca perdeu o foco. Sabia o fundamental e tinha sempre a questão de nos chamar a atenção para o fundamental. Havia muitas outras ou houve muitos outros momentos de experiência feliz com o Papa Francisco, foi de longe aquele Papa com quem mais tive oportunidade de estar, mas são estas palavras que depois nos marcam: o não perder, mesmo com a boa disposição que sempre o acompanhava, a capacidade sempre de se focar naquilo que era fundamental.

No seu entender, o que poderia ser feito para que o Santuário de Fátima fosse assumido mais como um santuário nacional?

Creio que já há uma grande consciência de que o Santuário de Fátima é um santuário nacional, isto é, o povo de Deus sente o Santuário de Fátima como a sua casa, como santuário de facto nacional, e isso é evidente. Internamente, muitas vezes falamos da facilidade com que hoje qualquer peregrino nos faz uma sugestão ou faz uma observação crítica, se há algo de que não gostou. Porquê? Porque sente isto como a sua casa. Para a grande maioria dos nossos peregrinos portugueses, Fátima é sentida como a sua casa. Este é de facto um santuário nacional.

Por outro lado, os senhores bispos sabem, têm a consciência de que são eles que têm a responsabilidade primeira pelo Santuário. Aí creio que há algum caminho a fazer, nomeadamente em relação à disponibilização de sacerdotes que possam trabalhar aqui como capelães. Obviamente que eu compreendo a dificuldade que os senhores bispos têm, todas as dioceses têm, com a carência de sacerdotes, mas creio também que este é o caminho que vamos ter de fazer, que é o de uma maior consciencialização por parte também dos senhores bispos do esforço para a disponibilização de mais sacerdotes que possam colaborar e trabalhar neste lugar.

Qual é a sua maior ambição em relação a este Santuário?

É muito difícil dizer qual é a maior ambição. Eu diria que um dos meus grandes desejos é que Fátima seja cada vez mais conhecida pela sua mensagem e não apenas como lugar. Isto é, as pessoas vêm, vêm a este lugar porque é um lugar especial, um lugar de paz. Vêm às grandes celebrações e eu tenho, enfim, este sonho de que as pessoas possam conhecer cada vez em maior profundidade aquilo que aqui aconteceu e a mensagem que aqui ficou, porque, muitas vezes, aquilo que notamos é que muitos dos peregrinos sabem o mínimo, sabem muito pouco, eu diria, às vezes demasiado pouco. Por isso, a minha grande ambição, o meu grande desejo é este, de tornar cada vez mais conhecida a mensagem de Fátima. Porquê? Porque eu creio que quanto mais conhecida for a mensagem de Fátima, mais Fátima será importante.

Muitas vezes me perguntam o que é que o Santuário faz para a sua difusão fora do país, internacional. Fundamentalmente, o que nós procuramos fazer é difundir a mensagem. E mesmo quando a imagem peregrina de Nossa Senhora vai visitando os vários países e todos os continentes…

Que é muito requisitada…

Que é muito requisitada, esse é sempre o acento, que haja momentos de oração e que se fale da mensagem. Portanto, a minha grande missão é esta: dar a conhecer a mensagem de Fátima.

Para terminar, vamos ao início, aos seus 30 anos de ordenação. Continua a ajudar a formar padres. Considera que no papel de professor que também tem, mantém, é relevante a experiência que traz do Santuário de Fátima como escola, como contraponto a algum neoconservadorismo que parece emergir por estes tempos?

Não tenho a menor dúvida de que o Santuário de Fátima tem, por exemplo, a nível litúrgico, um impacto enorme. Teve-o desde início. Um dos grandes meios de implementação da reforma litúrgica em Portugal, depois do Concílio, foram as celebrações no Santuário. Porquê? Porque chegavam muito longe, porque iam inspirando, iam mostrando modos de fazer. Hoje, que tenho esta responsabilidade no Santuário, sinto cada vez mais esta função como uma função urgente, premente.

Por um lado, os documentos da Igreja chamam a atenção para a exemplaridade que as celebrações dos santuários devem ter. Por outro lado, nós sentimos claramente esta missão de que a liturgia do Santuário tem de ser bem celebrada, tem de ter dignidade e beleza, porque acredito que essa é a grande escola e essa é a grande forma de reagir aos extremos, sejam extremos de um certo conservadorismo que quer apenas recuperar aquilo que se fez no passado, sejam os extremos que banalizam a própria forma de celebrar. Creio que o Santuário tem uma enorme missão e continua a ter uma enorme missão no sentido de corrigir eventuais extremos.

Como professor, não só tenho assumido sempre essa postura, essa missão, como os meus alunos sabem que eu frequentemente recorro a exemplos do Santuário para exemplificar e justificar precisamente aquilo que é um modo de celebrar que nós queremos que seja exemplar.

A vida consagrada pede muito. Mesmo entre católicos, por vezes, parece nem sempre ser reconhecida a coragem e o espírito de sacrifício que tem de ter quem segue este este caminho e, sobretudo, para se manter firme nesse caminho. Que palavra deixa a quem é assolado por essa dúvida, se será capaz de deixar tudo para seguir uma vocação como esta?

Eu reconheço a dificuldade, é uma dificuldade cada vez mais real. Acho que as pessoas hoje não são menos generosas, têm é mais medo, sentem-se menos seguras para dar um passo que empenhe toda a vida. E por isso a palavra que eu deixo é: Deus será sempre muito maior do que as nossas fragilidades e é isso que nos dá confiança.

Nós podemos assumir esse compromisso, uma consagração para toda a vida, porque Deus será sempre superior às nossas próprias fragilidades. Ele supre. Ele dar-nos-á força, ajudar-nos-á. Da nossa parte, temos é de ser generosos.

 

“O serviço dá sentido a uma vida”

Encontramo-nos na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima e trouxemos o Senhor Reitor aqui por duas razões: uma porque foi aqui que foi ordenado há 30 anos, outra porque nos disse que este é um dos locais do Santuário onde mais gosta de estar em oração. Indo ao primeiro aspeto, foi aqui que foi ordenada há 30 anos. Foi uma situação excecional?

De facto, foi uma situação excecional. Porquê? Porque habitualmente as ordenações da diocese têm lugar na Catedral. Não foi uma situação única. Recordo-me que, anos antes, tinha-se feito a opção por Fátima, mas pelo Recinto, porque eram cinco padres que iam ser ordenados e, portanto, entendeu-se que a catedral seria pequena. No caso da minha ordenação e daqueles que foram ordenados comigo, foi porque a Sé [de Leiria] estava em obras.

Nós, até cerca de um mês antes, não sabíamos ainda onde é que ia ser a ordenação. Pensávamos que seria na Catedral e foi precisamente a perceção de que as obras não iam estar prontas que obrigou a mudar tudo e acabei por ser ordenado nesta basílica, precisamente, no dia 7 de maio de 1995.

Foi premonitório. Que memórias guarda desse dia?

Tenho gratas memórias desse dia. Tenho memórias da celebração, do contacto com aqueles que foram ordenados comigo, da presença da minha família que foi sempre uma presença constante ao longo de todo o meu itinerário de vida, itinerário vocacional. Recordo aquele dia como um dia feliz e particularmente intenso. Recordo também uma outra particularidade que é fui ordenado aqui no domingo e na segunda-feira o padre Sérgio, o meu colega de ordenação, e o agora padre José Augusto, que tinha sido ordenado diácono, fomos celebrar na Capelinha, portanto a nossa primeira missa foi no dia seguinte de manhã, na Capelinha das Aparições, junto de Nossa Senhora. Por isso, são dois dos lugares que, mesmo antes de vir para o Santuário, a mim me diziam muito e continuam a dizer-me muito. Obviamente, eu gosto de todo o Santuário e tenho um enlevo grande por todos os espaços do Santuário, mas estes dois são particularmente tocantes para mim pelo papel que tiveram neste meu itinerário de vida.

E é por essa razão que também gosta particularmente desses espaços para estar em oração.

Esse é um dos motivos por que estes espaços são, para mim, espaços privilegiados de oração. Há um outro motivo aqui que é o facto de aqui estarem sepultados os videntes, que para mim foi também sempre um atrativo especial para rezar neste lugar. Isto é, é um lugar ótimo para a oração, não apenas para a celebração, mas também para a oração pessoal e é também o lugar onde estão sepultados os santos Francisco e Jacinta e a vidente Lúcia, a Irmã Lúcia de Jesus. É um lugar muito especial, muito especial para mim no Santuário de Fátima.

Consegue estar aqui em oração, sozinho?

Consigo. É possível estar aqui a rezar sozinho, mesmo com os peregrinos que vão visitando os túmulos e é possível também estar aqui sozinho, completamente às escuras ou numa basílica vazia. Obviamente, são experiências diferentes, mas são momentos de oração particularmente significativos.

Qual a sua oração mais frequente?

A oração mais frequente, para além daquela que é a oração pessoal espontânea, é a oração do Terço. Nossa Senhora pediu que rezássemos o Terço todos os dias. E, de facto, esse é um ritmo que vai entrando na nossa própria vida, portanto, essa é uma oração frequentíssima. Obviamente, como padre, tenho também a oração da Liturgia das Horas, para além dos momentos de celebração da missa, mas fora da liturgia, o Terço é a minha oração mais frequente.

Quem vem ao Santuário manifesta a sua fé de formas muito diferentes. Qual é a posição do Santuário em relação àqueles sacrifícios mais físicos e dolorosos que as pessoas fazem aqui neste espaço em particular ali no corredor das promessas?

O Santuário teve sempre uma atitude de profundo respeito para com as pessoas nas suas manifestações e nas promessas que fazem. Obviamente, o Santuário não promove esse tipo de promessas ou de sacrifícios que, muitas vezes, acabam por não apenas ser dolorosos, também têm uma dimensão humilhante, são danosos para a própria saúde. Estou a pensar, por exemplo, no percurso de joelhos que tantas vezes deixa marcas físicas de ferida. O Santuário não promove. Aquilo que procurou, sempre, foi criar condições para que as pessoas o possam fazer de forma não tão penosa. A passadeira das promessas não pretende outra coisa senão dar alguma facilidade para, quem opta por fazê-lo, o possa fazer com o menor dano possível, com a comodidade possível. Porque a posição do Santuário é esta: não promover, mas respeitar, respeitar profundamente a opção de quem resolve manifestar a sua devoção desta forma. Isto também porquê, porque, muitas vezes, quem faz uma promessa desse género fá-lo numa situação dramática e nós temos de ter presente essa situação dramática e respeitar essa forma de expressão que a própria pessoa tem. Obviamente, se me perguntam se podem trocar aquela promessa que fizeram por uma outra, eu serei o primeiro a dar alternativas. Mas o Santuário sente sempre que tem de respeitar se a pessoa não quiser uma alternativa àquela que escolheu.

Que alternativas pode dar?

A alternativa pode ser de oração, de ajuda concreta aos outros, há um leque enorme. E aí tem que ver com o diálogo que se estabelece com a pessoa, com o motivo dessa promessa. É à luz disso que se pode perceber que alternativa se pode oferecer à pessoa. Mas é sempre preciso que a pessoa esteja recetiva para isso e queira. Se a pessoa disser “não”, foi isto que prometi, é isto que quero fazer no Santuário, entendo que se deve respeitar essa opção, mesmo não concordando com ela.

Voltando aos 30 anos de sacerdócio, que expressões, no seu entender, melhor descrevem esse período da sua vida?

É muito difícil resumir 30 anos a algumas expressões. Eu escolhi como lema da minha ordenação uma palavra de Jesus Cristo: “Eu estou no meio de vós como quem serve”. Eu gostaria de olhar para estes 30 anos desta forma. Isto é, eu procurei que fossem 30 anos de serviço, em que procurei estar sempre ao serviço daquilo que me foi pedido, em tarefas diversas dentro da Igreja, com missões diferentes e, desde 2011, nesta função em concreto, procurando servir a Deus neste Santuário, nos seus peregrinos, nos seus colaboradores.

Obviamente que é um serviço que se manifesta depois de muitas formas. Agora, se tenho de fazer um balanço de 30 anos, tenho de dizer que foram 30 anos intensos e 30 anos felizes, não tenho dúvidas. Hoje em dia, pode não ser muito curial falar de serviço, é palavra que talvez não atraia particularmente, mas eu continuo convencido de que isso dá sentido a uma vida e eu tenho feito essa experiência, que o serviço dá sentido a uma vida.

 

“O Santuário tem, em muitos dos seus espaços, obras de arte que são dignas de ser vistas”

Encontramo-nos agora no Museu do Santuário de Fátima, que foi fundado na década de 50 do século passado. Senhor Reitor, da exposição permanente deste museu, qual é a sua peça de eleição?

Da exposição permanente, sem dúvida, a peça de eleição é aquela que é a coroa da exposição, que é a coroa preciosa da Imagem de Nossa Senhora. É, sem dúvida, a peça mais extraordinária que está neste lugar, mas extraordinária por dois motivos: por um lado, porque aquela coroa preciosa foi feita num contexto muito especial, com as joias doadas pelas mulheres portuguesas, mas tem depois essa particularidade que é a bala oferecida pelo Papa João Paulo II. A bala do atentado de 13 de maio de 1981, que foi incrustada na própria coroa e que, a meu ver, acaba por manifestar todo o mistério desta peça. É uma peça preciosa, preciosíssima, mas, por outro lado, uma peça preciosa que tem em si como se fosse um relicário, o testemunho de um Papa particularmente ligado a Fátima do acontecimento que o Papa leu como a presença de Nossa Senhora de Fátima na sua vida e por isso a importância desta peça.

Obviamente, eu não posso deixar de pensar nesta peça em contraste com uma outra peça que, neste momento, não está exposta, que é um terço, um terço de plástico oferecido por um conjunto de pescadores de Caxinas que, depois do naufrágio, atribuíram à Nossa Senhora o salvamento. Depois de tempo e tempo à deriva, quando a esperança já se ia perdendo, agarraram-se à sua devoção a Nossa Senhora e à oração do Terço. E esse terço foi oferecido também ao Museu do Santuário. O Museu do Santuário tem peças preciosíssimas como esta, peças preciosíssimas no seu valor, oferecidas por grandes personagens e também por países, e tem peças tão simples quanto essa oferecida por peregrinos que vieram aqui agradecer a Nossa Senhora as graças recebidas. Por isso, falando da Coroa, não queria deixar de falar de uma outra peça que pertence ao espólio do museu e que tem um significado tão especial.

Se fosse guiar uma visita ao espólio de arte do Santuário, por onde começaria?

Não começaria pelo museu, começaria pelos nossos espaços celebrativos, pelo espaço do Santuário. Isto é, o Santuário tem, em muitos dos seus espaços, obras de arte que são dignas de ser vistas, apreciadas, fruídas também desse ponto de vista estético, mas que falam ao peregrino e falam ao peregrino que vem a este lugar. Isto é, a arte que o Santuário tem é, antes de mais, antes da arte do museu que é constituída sobretudo por ofertas de peregrinos, a arte que o Santuário tem é aquela que é para o peregrino, para o peregrino usufruir e que embelezam os nossos espaços celebrativos e o espaço do Santuário. E estou a pensar quer na Capelinha das Aparições, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, com aquela que é a escultura fundamental desta casa, a representação de Nossa Senhora, quer na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, com um espólio aí já bem mais variado, que vai dos vitrais, às pinturas, à escultura, ao próprio arranjo do presbitério, mais recentemente. Mas penso também na Basílica da Santíssima Trindade que quando é construída, é construída já pensando numa série de obras de arte que vai albergar, desde a Cruz Alta ao Cristo que está no presbitério, ao painel por trás daquele Cristo, portanto, há um conjunto de obras de arte que são pensadas de raiz para aquele novo espaço de assembleia.

Há um património vastíssimo e rico. Já vai sendo mais fácil integrar este património nas rotas culturais do país e da região?

Creio que sim. Creio que hoje é mais fácil do que seria há algum tempo. Há algum tempo, quando se pensava em Fátima em termos de arte, desvalorizava-se. Achava-se que aqui, de facto, não havia nada que valesse a pena visitar. Isto não é uma crítica exterior à Igreja, ou ao Santuário, isto é, não eram os outros que não via a arte do Santuário, era o próprio Santuário. Tinha muito menos consciência do património artístico que albergava. Hoje em dia, não só temos uma consciência muito mais aguda desse património artístico e, externamente, também há uma consciência cada vez maior de que o Santuário tem, de facto, um espólio artístico que vale a pena visitar.

O próprio espaço do Santuário acaba por funcionar como uma grande obra de arte, oferecida a todos aqueles que visitam este lugar. E o Santuário, de forma mais explícita ou mais implícita, encontrou sempre neste caminho, nesta via da beleza, uma forma de falar da sua mensagem, da mensagem de Fátima e do sentido deste lugar.

Nesse sentido, está também a importância de ser o guardião de toda esta arte que aqui se encontra?

Sem dúvida, o Santuário sentiu desde início uma enorme responsabilidade em relação, por exemplo, às ofertas dos peregrinos. Este museu onde nos encontramos alberga sobretudo ofertas dos peregrinos que visitaram o Santuário de Fátima. E é interessante esta consciência que surgiu muito cedo de que o Santuário tinha responsabilidade também em relação às ofertas deixadas, isto é, são uma expressão de fé, são uma expressão de devoção a Nossa Senhora. Cabe ao Santuário conservar, albergar e cuidar destas peças. E, por que não, expô-las, permitindo que os peregrinos possam usufruir delas. Daí o sentido deste espaço museológico, isto é, não apenas das reservas do museu, mas deste espaço de exposição ou da exposição temporária que o Santuário também vai preparando e oferecendo aos peregrinos.

Neste momento, “servir a única pregação”…

Exatamente, neste momento, sobre o serviço, que tem, obviamente, uma série de peças que são do nosso espólio, mas tem também peças que pedimos emprestadas a outras instituições. Estas exposições têm tido também um outro mérito, que é enriquecer o nosso espólio, porque muitas vezes, para uma exposição, o próprio Santuário encomenda uma outra peça que depois enriquece o espólio do Museu do Santuário.

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HORÁRIOS

20 mai 2025

Missa, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima

  • 07h30
Missa

Rosário, na Capelinha das Aparições

  • 12h00
Terço
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